quarta-feira, 28 de abril de 2021

Propósito.

        Quando criei este blog, há uns bons anos atrás, esperava dar-lhe continuidade por muitos e longos anos. O nome foi escolhido cuidadosamente, aos meus 29 anos, esperando que a entrada nos trinta seria, finalmente, a descoberta e a definição de uma nova Maria, mais sustentável, saudável e sensata. A escrita progrediu durante alguns meses, parecia fluir naturalmente, tão naturalmente como a vida que desejava construir e enraizar. Coincidiu com a minha primeira aula de Ashtanga Yoga, que foi, sem dúvida alguma, um dos momentos mais bonitos, luminosos e mágicos da minha vida. Tudo parecia fazer sentido, a procura do meu lugar no Mundo, a absorção de novos conhecimentos, moldando a ciência à natureza, a conquista de novos valores e de novos horizontes, a aceitação das dificuldades e das diferenças, o positivismo como forma de suavizar a vida. 



       A inconstância leva ao desapego das palavras, despimo-nos de preceitos para nos tornarmos vagabundos sem rumo. É aí que o traço abranda, trémulo, deslizando ainda à procura da grafia certa. No entanto, desvanece subitamente e dissipa com ele todas as letras que outrora se mesclavam com prazer e com alguma mestria. Que me falte modéstia, mas não me leves o que os lábios nunca poderão murmurar. Encaro o meu bloqueio criativo solenemente, parto sem destino, mas semeio réstias de esperança ao longo do processo. O corpo e a mente acompanham a apatia da caneta, deixo-me alienar pela angústia existencial, pelo medo do fracasso galopante. Não cuido mais de mim, é todo um processo regressivo e depressivo. Volto atrás, levito sobre a Maria produtiva, entranho-me nas suas vísceras como um parasita e deixo que ela permanece inerte e apagada. 


 


         Há uns meses, a Maria dos meus sonhos despertou, não tão bela adormecida mas repleta de vontade de voltar a viver. Compreendeu que o processo de mudança depende apenas de si e que a força, o foco e a determinação estiveram sempre ao seu alcance, talvez não estivesse a procurar no lugar certo. Desprendeu-se do passado e da dor que tal poderia acarretar, encontrou a sua comunidade, restabeleceu o equilíbrio psíquico, reeducou-se nutricionalmente, curou-se em simbiose com a natureza e o seu amor, criou novos laços de afeto e cultivou a resiliência. Descobriu o seu maior propósito. 






sexta-feira, 16 de abril de 2021

As palavras têm luz.





É indelével a permanência das palavras nas páginas de papel, de um caderno esquecido ou acomodado nas memórias de uma mesinha de cabeceira. É talvez incerta a existência dessas mesmas letras aprumadas e ordenadas, num qualquer lugar virtual deste mundo, onde a mestria inusitada da escrita não é mais do que um carrossel em constante movimento e é talvez por si só, uma menosprezada fuga à massiva e à fluida locomotiva de imagens, publicidade e telegramas, mais facilmente absorvida e esquecida, o "fast food" textual e visual dos nossos dias corridos e corrompidos.

Fluiram os dias e os meses, as emoções, assim como as estações, acomodaram-se às variações dos tempos e dos alentos. O que a mente esboça,  o corpo rasura. Rodopiam intransigentes as palavras soltas, à procura do seu par de dança perfeito. Talvez o encontrem entre sinapses eufóricas, talvez a pulsação se acalme e as frases se aglomerem pomposas e eruditas. 

Esfumaram-se os anos, e com eles, a solenidade da escrita criativa, enebriada pelos goles de polpa linguística, adoçada pelo néctar carnudo das obras primas literárias. 

Adormece a ânsia de exprimir e expremer as vivências, as sonoridades dos pensamentos e o silêncio da inquietude. Guardam-se folhas soltas, num lugar acomodado para o efeito, à espera de um dia lhes voltar a tingir a alma. 

A escrita apenas discorre quando é o âmago da vida que nos guia. Amadurecemos a subtileza dos gestos, purificamos a consciência e a atenção, organizamos a memória e as emoções. 

Livremente, espontaneamente, naturalmente, a mão volta a traçar os textos mais sentidos.