quarta-feira, 7 de julho de 2021

Respirar.



Leve, levemente, sentes a mente. Voltas ao lugar que a acalma, numa posição confortável de Flor de Lótus. A energia flui, num sopro constante de pranayama, inspiras alento que nutre as células adormecidas do teu corpo, expiras a serenidade que apazigua a tua alma. Inspiras, expiras. Repetes com a consistência de um organismo que volta a despertar durante uma prática milenar. Silencias pensamentos, inquietudes e medos.

Lá fora o mundo desperta também para a correria do dia a dia e tu, no entanto, adormeces o stress e a ansiedade que teimam em permanecer entranhados nos teus órgãos. Os músculos relaxam a pouco e pouco, o movimentos dos mesmos é direcionado para os bandhas, contrais vigorosamente o períneo e o abdómen, a cada fluir de energia vital. Alternas o Mula e o Uddiyana Bandha, enquanto permites a entrada de ar que te preenche e, posteriormente, aceitas libertá-lo serenamente. 

Inspiras, expiras. Sentes o teu corpo a se aceitar, ao som das respirações que se assemelham ao eco do mar. Permites-te ficar, neste shala improvisado no teu lar, enquanto a penumbra da manhã se mescla com os primeiros fios delicados de luz. 

Inspiras, expiras, como o vaivém das ondas espumosas que se desvanecem virtuosas sobre um tapete denso de grãos de areia. As maõs pousam sobre as pernas, aceitas permanecer assim, confortável e focada nas respirações.

Hoje, não há asanas, O objetivo é aprender a respirar, estranhamente. Afinal, mal nos retiram do ventre materno, respiramos vigorosamente. Vivemos, enquanto respiramos, respiramos enquanto vivemos. Uma dualidade que nos acompahará até ao dia da nossa morte. E, no entanto, aqui permaneço, aprendendo a respirar, ao som da voz delicada da minha professora.

Passamos grande parte da nossa vida a não saber aproveitar a respiração como elemento de cura, de nutrição, de relaxamento. Descuramos a sua importância e a poderosa ferramente que é para controlar a mente, para aliviar e soltar as tensões acumuladas diariamente. Deixamos de a ouvir, enquanto direcionamos a nossa atenção para o intenso barulho externo que nos assola. É uma poluição mental que nos intoxica e que nos desvia de um caminho de quietude, de gratidão e de compaixão.

Aprender a respirar é descobrir a plenitude de um corpo saciado e devoto, de uma mente desperta e densamente reconstruída, onde não se acumula o lixo produzido durante as nossas vivências e experiências, onde não existe espaço para sentimentos e pensamentos nefastos ou negativos.

Que dualidade ambígua esta, aprender a respirar já na fase adulta. Mas o conhecimento é talvez a arma mais poderosa para criar uma sociedade pura e proativa, construíndo os alicerces para uma comunidade dedicada, preocupada e altruísta. 

Onde floresce o amor, cresce a esperança.

A prática de Yoga mudou a minha vida e a forma como encaro o meu dia a dia. Permitiu-me conhecer-me e conhecer o mundo. Voltar à prática de Ashtanga tornar-me-á um ser humano melhor, certamente, e só assim é possível encontrar a paz necessária para que a nossa passagem por este Planeta faça sentido.

sábado, 1 de maio de 2021

Tofu Shan, cenouras glaceadas, puré de batata doce roxa e pastinaca, "requeijão" de macadâmia e couve kale massajada.

 



Cozinhar é um processo criativo, que se constrói, alicerça e aprimora. Refinam-se os sentidos e a intuição, por vezes flui naturalmente, acertam-se quantidades, sabores e ingredientes, desde o momento em que as mãos se apoderam da bancada e dos utensílios, outras vezes, porém, somam-se erros e tentativas frustrantes. E é aí que entra o amor. Confecionar pratos e aguçar as papilas tornam-se uma paixão, que nos move e comove. 

Passados tantos anos, decidi voltar. O caminho é hoje mais sereno e o rumo já está esboçado. Trago-vos uma receita que fui criando freneticamente na minha mente, juntando as peças deste puzzle gastronómico numa composição primaveril. Foram horas de envolvência, foco e atenção plena, cada gesto, delicadamente, abraçou os alimentos à procura de inspiração.





Puré de Batata Doce Roxa e Pastinaca


Ingredientes:

- 1 batata doce pequena/média
- 1 pastinaca
- lascas de côco ou côco ralado (1-2 colheres de sopa)
- água qb para adicionar ao côco 
- noz moscada, ralada na hora (1/3-1/2 de noz)
- sal qb
- pimenta qd
- ghee (opcional, acabei por não colocar porque adorei o sabor do puré sem a gordura)



Procedimento:

- cozer a batata doce e a pastinaca em água, com sal.
- num liquidificador, bater o côco (lascas ou ralado) com água, até obter um líquido esbranquiçado homogéneo.
- filtrar a bebida (a polpa de côco que é descartada pode ser utilizada em outras receitas).
- assim que os tubérculos estiverem cozidos, retirar do lume e escorrer; deixar arrefecer para perder o máximo de água possível. 
- colocar os legumes e a bebida vegetal de côco na liquidificadora e homogeneizar até ficar um puré cremoso e sem grumos. 
- adicionar um pouco de ghee caso deseje dar aquele toque mais aveludado ( optei por não usar)
- ralar a noz moscada e mesclar bem no puré para que a mistura incorpore bem o aroma.





"Requeijão" de Macadâmia


Ingredientes:

- 40gr de macadâmia (demolhadas durante pelo menos 8h)
- 1 lima (raspa e sumo)
- 3-4 ramos de manjericão
- 1-2 dentes de alho 
- água qb
- sal qb
- pimenta preta qb



Procedimento:

- num processador juntar todos os ingredientes, as macadâmias demolhadas, lavadas e escorridas, o manjericão, o dente de alho,  a raspa e o sumo de lima, pimenta preta e sal qb. 
- processar, adicionando água se necessário,  até obter uma espécie de requeijão.
- o excesso de água, se existir, pode ser removido filtrango a mistura. 





Cenouras levemente glaceadas



Ingredientes:

- sumo de 1 laranja (ou limão ou toranja ou mustura de citrinos)
- sumo de uma cenoura
- manteiga ghee (uma noz) ou fio de azeite
- cenouras mini, com rama (5-6)


Procedimento:

- lavar bem as cenouras e a rama.
- pode descascar as cenouras ou apenas rasparva pele para retirar imperfeições, se forem biológicas.
- cortar as cenouras na diagonal (o corte fica mais harmonioso e pefmite criar altura no prato)
- aquecer a gordura na sertã, a fogo médio/alto; assim que estiver bem quente adicionar as cenouras e saltear.
- quando começar a ouvir aquele som característica dos legjmes a saltear, adicione um pouco da mistura de sumos e tape com uma tampa. Ter cuidado durante este processo, o açúcar dos sumos rapidamente irá "caramelizar" e a água evaporar, por isso, se necessário, reduzir o lume e ir adicionando sumo para não queimar.
- no final, as cenouras devem ficar al dente e algo caramelizadas, crocantes e doces mas com um toque acido.



Tofu Shan birmanês e Molho "ji ro lu" 




1° passo: Tofu 

Ingredientes:

- 1 taça de farinha de grão de bico
- 3 taças de agua (1,5 para a mistura + 1,5 para a panela)
- curcuma, 1 colher de chá 
- pimenta preta, meia colher de chá 
- cominhos,  1 colher de chá 
- sal qb
- manteiga ghee para untar o pirex

Procedimento:

- numa taça, colocar a farinha de grão de bico e adicionar a água (1,5 copos) e ir misturando até obter uma massa homogénea.
- adicionar o sal, a curcuma, a pimenta preta e os cominhos e voltar a misturar.
- ferver a restante água e reduzir o lume para médio/alto.
- adicionar a massa e misturar até se tornar bem mais espessa e consistente, deverá levar uns 5-8 minutos, dependendo do volume do fogão. 
- verter a massa para a forma untada com ghee e deixar arrefecer a temperatura ambiente.
- cortar aos cubos para cozinhar, assim que estiver bem firme (poderá também cortar em tirar, cubos maiores; também é possível congelar o que sobrar).





2° passo: Molho Ji Ro Lu


Um molho criado a partir das memórias e dos sabores de Java. "Ji ro lu" significa "1, 2, 3" em javanês e talvez tenha sido a frase que mais ouvimos durante toda a viagem. Eram proferidas de sorriso rasgado pelo nosso maravilhoso guia local, o Jamal. Uma pequena homenagem a uma das pessoas mais especiais e bem dispostas que alguma vez conheci! Ji ro lu! Uh la la! 

Ingredientes:

- galanga em pó,  1 colher de chá 
- erva príncipe em pó, uma colher de chá 
- um pedaço de gengibre ralado
- sumo de um limão 
- uma malagueta picada, sem sementes (opcional)
- molho amino côco (excelente alternativa ao molho de soja)


- sementes de sésamo 
- cebolinho picado (ou coentros)
- 100 gr de tofu birmanês Shan aos cubos
- ghee (ou azeite)


Procedimento:

- saltear os cubos de tofu em ghee/azeite quente.
- deixar tostar levemente e adicionar as especiarias em pó, mexer bem e adicionar o sumo de limão.
- deixar apurar os aromas e tostar durante 1-2 minutos.
- adicionar o sumo de limão, deixar encorpar 2-3 minutos.
- regar com amino de côco, deixar apurar mais 1-2 minutos.
- por fim, adicionar o gengibre ralado e a malagueta picada. Mexer e desligar passado 1 minuto. 
- servir salpicado com sementes de sésamo e cebolinho (ou coentros) picados. 








quarta-feira, 28 de abril de 2021

Propósito.

        Quando criei este blog, há uns bons anos atrás, esperava dar-lhe continuidade por muitos e longos anos. O nome foi escolhido cuidadosamente, aos meus 29 anos, esperando que a entrada nos trinta seria, finalmente, a descoberta e a definição de uma nova Maria, mais sustentável, saudável e sensata. A escrita progrediu durante alguns meses, parecia fluir naturalmente, tão naturalmente como a vida que desejava construir e enraizar. Coincidiu com a minha primeira aula de Ashtanga Yoga, que foi, sem dúvida alguma, um dos momentos mais bonitos, luminosos e mágicos da minha vida. Tudo parecia fazer sentido, a procura do meu lugar no Mundo, a absorção de novos conhecimentos, moldando a ciência à natureza, a conquista de novos valores e de novos horizontes, a aceitação das dificuldades e das diferenças, o positivismo como forma de suavizar a vida. 



       A inconstância leva ao desapego das palavras, despimo-nos de preceitos para nos tornarmos vagabundos sem rumo. É aí que o traço abranda, trémulo, deslizando ainda à procura da grafia certa. No entanto, desvanece subitamente e dissipa com ele todas as letras que outrora se mesclavam com prazer e com alguma mestria. Que me falte modéstia, mas não me leves o que os lábios nunca poderão murmurar. Encaro o meu bloqueio criativo solenemente, parto sem destino, mas semeio réstias de esperança ao longo do processo. O corpo e a mente acompanham a apatia da caneta, deixo-me alienar pela angústia existencial, pelo medo do fracasso galopante. Não cuido mais de mim, é todo um processo regressivo e depressivo. Volto atrás, levito sobre a Maria produtiva, entranho-me nas suas vísceras como um parasita e deixo que ela permanece inerte e apagada. 


 


         Há uns meses, a Maria dos meus sonhos despertou, não tão bela adormecida mas repleta de vontade de voltar a viver. Compreendeu que o processo de mudança depende apenas de si e que a força, o foco e a determinação estiveram sempre ao seu alcance, talvez não estivesse a procurar no lugar certo. Desprendeu-se do passado e da dor que tal poderia acarretar, encontrou a sua comunidade, restabeleceu o equilíbrio psíquico, reeducou-se nutricionalmente, curou-se em simbiose com a natureza e o seu amor, criou novos laços de afeto e cultivou a resiliência. Descobriu o seu maior propósito. 






sexta-feira, 16 de abril de 2021

As palavras têm luz.





É indelével a permanência das palavras nas páginas de papel, de um caderno esquecido ou acomodado nas memórias de uma mesinha de cabeceira. É talvez incerta a existência dessas mesmas letras aprumadas e ordenadas, num qualquer lugar virtual deste mundo, onde a mestria inusitada da escrita não é mais do que um carrossel em constante movimento e é talvez por si só, uma menosprezada fuga à massiva e à fluida locomotiva de imagens, publicidade e telegramas, mais facilmente absorvida e esquecida, o "fast food" textual e visual dos nossos dias corridos e corrompidos.

Fluiram os dias e os meses, as emoções, assim como as estações, acomodaram-se às variações dos tempos e dos alentos. O que a mente esboça,  o corpo rasura. Rodopiam intransigentes as palavras soltas, à procura do seu par de dança perfeito. Talvez o encontrem entre sinapses eufóricas, talvez a pulsação se acalme e as frases se aglomerem pomposas e eruditas. 

Esfumaram-se os anos, e com eles, a solenidade da escrita criativa, enebriada pelos goles de polpa linguística, adoçada pelo néctar carnudo das obras primas literárias. 

Adormece a ânsia de exprimir e expremer as vivências, as sonoridades dos pensamentos e o silêncio da inquietude. Guardam-se folhas soltas, num lugar acomodado para o efeito, à espera de um dia lhes voltar a tingir a alma. 

A escrita apenas discorre quando é o âmago da vida que nos guia. Amadurecemos a subtileza dos gestos, purificamos a consciência e a atenção, organizamos a memória e as emoções. 

Livremente, espontaneamente, naturalmente, a mão volta a traçar os textos mais sentidos.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Com gratidão, do paraíso.


Hoje é um daqueles dias cheios. Cheio de energia, cheio de pequenos e simples momentos, cheio de tarefas adiadas e concretizadas, cheio de amor e gratidão. E ainda não acabou. Acordei cedo e como faço há alguns anos, tomei a minha água morna com limão. Fascinada como sou pela ayurveda,(inicio um curso de terapeuta na área este mês, mais uma ótima notícia e objetivo cumprido), é um dos rituais vespertinos que pratico e que mais me revitaliza. Gostaria de iniciar os meus dias com meditação e yoga mas nem sempre o consigo, aliás, tem sido raro, mas estou a tentar voltar a esta rotina. A água serve desta forma para purificar e alcalinizar o organismo. Organizei a casa e a agenda, fiz um smoothie nutritivo, deliciei-me e fui ver o mar. Foram momentos mágicos com o meu fiel amigo. A nossa energia foi absorvida pelas poucas pessoas que nos rodeavam, na sua maioria estrageiros, turistas deste outono tardio em Portugal. A palete de cores mesclava as tonalidades quentes da estação com a pureza e o espírito selvagem da serra, o mar cor de cristal, a areia torrada pela luz do início de tarde e as pequenas pedras polimorfas, dispersas pela orla e humedecidas pela espuma do vaivém do oceano. Escrevo com um aroma difuso a granola. Escrevo enquanto os olhas brilham e o coração se expande. Parece, como a paisagem que me desenhou momentos de brincadeira, que tudo, aos poucos, se acerta. 














quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Diwali e a luz do recomeço.

Foto retirada da internet

Inúmeros acontecimentos maravilhosos ocorrendo, o início de uma fase auspiciosa e criativa, a reconexão profunda com o Eu ávido e fervilhante, a reflexão deleitosa e apaziguante sobre esta viagem interminável e incontornável. O Diwali dualiza o obscuro e a luz, o coração que se entrega devoto e, de outro lado, a essência que se esfuma na ingratidão e na intransigência, negra e seca como as sombras da alma desencontrada. Como o Rio Ganges que discorre místico, embalado por uma história de amor e imundície, culturalmente rica, colorida e sufocante, deixo-me encantar pela magia deste dia. Não sou hindu, mas o meu coração faz-se de hinduísmo e de ternura. Faz-se de entrega e de paixão. Faz-se de sonhos e de feitos. Faz-se ao de leve, em sintonia com a luz que me segue e me aquece o corpo, quando me dedico e me empenho, em mais um dia, em mais um renascer. O Diwali deste ano é especial, segue a minha caminhada, sinto-o a balbuciar-me palavras de afeto e de paz, hoje sei o quão importante és. Não tenho um Ganges para iluminar e perfumar, tenho, isso sim, toda uma vida para te conhecer e contemplar. Irei adormecer e, certamente, nadarei em ti, rodeada pelas pétalas em ti lançadas, imponente no teu brilho ofuscante, levitarei em flor de lótus, cerrando os olhos, serena, purificando as células e os órgãos, rejuvenescendo. Diwali, que bonito dia para recomeçar!

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Desapego.



Tenho o coração cheio. Repleto de energias regeneradoras, que fluem frenéticas num emaranhado de ideias e aspirações. Tenho o coração a transbordar emoção, devoção e gratidão, num gesto efémero e perene de resiliência, finalmente. Os obstáculos sibilam ordens de derrota e eu anseio por me desprender. Desapego. Do ontem e do amanhã. Do pensamento alheio e dos meus medos. Da desconexão e da desorganização. Da sociedade mecânica e da civilização consumista. Levanta os braços em sintonia com as tuas entranhas e respira. Respira solenemente. Deixa que a Mãe Terra deslize pelas células entorpecidas dos teus pés e se funda ao teu Ser. O teu Ser ordeiro e inquietante. Encosta a palma das tuas mãos frágeis ao divino térreo do chão frio. Aquece-lhe a superfície áspera, enquanto sopras ao de leve sobre o ar que te adensa. Sê tu, todos os dias, nesse dia revitalizante, mais um, que te apraz e te saúda destemidamente, enquanto balanças o tronco e te ligas à calidez do piso humedecido pelo esforço da tua prática. Sê audaz, cerra os olhos e deixa o corpo fluir, ir e revir, liberta-te dessa consciência que te prende ao vulgar, segue a tua viagem até ao asana seguinte, segue a viagem da tua mente. Evolui, segue os teus ideais. Respira e tenta outra e outra vez. Não desiste. Não teme. Não. Não te preocupes. Sê feliz, levanta-te e expira. Une as mãos e os pés. Agradece. Samasthiti.