De todas as vezes que viajo, dias antes de partir surge em mim uma ténue palpitação no coração. É uma ânsia enorme de ver o mundo, uma angústia demasiado curiosa que por vezes me incomoda, que me consome intensamente na vontade imensa de descobrir um destino desconhecido. Este novo sentimento incomoda não por doer, não de todo. Incomoda por ainda me encontrar aqui, agitada pela desconexão diária, embebida no frenesim monótono de trabalho e de responsabilidades, alienada na incompreensão da mente humana desgastada pela sociedade e pelas aparências, revolta e desprendida de materialismos que magoam almas desgastadas pela massificação que lhes espalma a testa contra paredes esculpidas de ignorância e infâmia.
Às vezes sinto que quase cedo a este turbilhão que me enjoa. Mas cedo prontamente, porque o mundo pelo qual anseio é mais bonito. Ele está algures onde encontre paz, serenamente contemplando a simplicidade que ecoa da voz do silêncio e da natureza. Ou então, esse lugar encontra-se perdido num outro belo frenesim citadino, nessa dualidade de calamidade humana e arte extraordinária, onde a natureza se enreda magicamente.
Relembro esse dia de partida, gélido e inquietante. O sol permanecia adormecido, a cidade deambulava calma e prateada, o taxista rapidamente nos conduziu ao aeroporto pois àquela hora o trânsito era quase inexistente. Apenas alguns faróis abrilhantavam o asfalto que rolava sob os nossos corpos agitados. O coração esse, palpitava loucamente.
A espera no aeroporto não foi longa, calmamente despertei ao sabor de um café amargo, entre olhares sonolentos e o doce sorriso da empregada da limpeza que àquela hora tão matinal já bailava abrilhantando o chão sujo por passos apressados.
Descolámos ao som de turbinas ensurdecedoras que um nascer do sol arrebatador sobre Lisboa simplesmente silenciou. O céu brilhou e a minha alma também. Ainda hoje o sinto, repleto de luz e magia, como se a menina e moça me dissesse adeus, até já, confidente e delicada.
A viagem fez-se inicialmente tranquila e com boa disposição, entre beijos e mimos cúmplices, neste primeiro voo a dois, encantados e empolgados. O mar era o nosso único guia pois o nevoeiro nos acompanhava teimoso. Não tardámos, no entanto, a compreender que o voo estava a tornar-se demasiado longo, as horas passavam e a ilha da Madeira não era avistada, parecíamos viajar em círculos e no ar pairava alguma inquietação. O piloto fez duas tentativas de aterragem infrutíferas, a visibilidade era péssima e foi nessa altura que a tripulação nos informou que iríamos aterrar em Porto Santo.
De início, fiquei deliciada com a notícia, conhecer a ilha dourada não estava nos nossos planos, uma vez que apenas dispunhámos de três dias. Pensei que a passagem pelo pequeno paraíso seria mais demorada devido ao mau tempo, falava-se em irmos de barco até à ilha da Madeira se este não melhorasse. Infelizmente, a estadia fez-se breve e em cerca de trinta minutos aterrámos no aeroporto do Funchal.
A vista durante a aterragem é maravilhosa. O céu despiu-se de nuvens e pude assim contemplar cada recanto recortado e abrupto da ponta árida de São Lourenço. As ondas gemiam ao enbater nas rochas, mesmo que o barulho do avião me privasse dessa melodia, podia ouvi-la. O Funchal surge imponente enquanto deslizamos pela costa. As casas sobrepõem-se albas e delicadas, pelas colinas, como num presépio primaveril. Sinto ainda no avião o calor da ilha de carisma tropical. Não as vejo ainda mas saboreio já as doces e pequenas bananas e outros frutos exóticos suculentos. Saboreio o peixe fresco aromatizado com sabor a sal de mar. Absorvo a essência húmida e perco-me pela floresta laurissilva esverdeada, pomposa e revitalizante.
O atraso durante o voo não altera os nossos planos. Alguma demora no aluguer da viatura e pouco depois, finalmente, partimos à descoberta.
Sem comentários:
Enviar um comentário